segunda-feira, 12 de julho de 2010

História e Memória - A memória que não embarcou no navio negreiro

POSTAGEM EM DIÁLOGO.

Le Goff aborda a memória coletiva transmitida oralmente apenas nas sociedades sem escrita, ele também a denomina memória étnica.
A memória coletiva e sua transmissão são fatores de unificação cultural do grupo. A mitologia é um forte fator na memória oral.
O autor utiliza como exemplo o costume de batizar indivíduos com o nome de ancestrais em povos sem escrita no Congo, como uma forma de preservar a memória coletiva.
Essa prática não se restringe ao Congo, mas também é possível de se ver em outras tribos e reinos africanos.
Há, no Brasil, uma discussão sobre os ritos do Candomblé que envolve culto aos orixás¹ e aos ancestrais². No entanto, não se tem certeza do que seja um ou outro, e alguns ancestrais foram confundidos com orixás.
Nossa problemática histórica aqui não é distinguir um do outro e sim, sensibilizar a perda desse costume e o golpe que isso trouxe a memória coletiva desses grupos.
Se a tradição tivesse sido mantida quando esses grupos foram trazidos como escravos para o Brasil, até hoje a diferença estaria clara entre orixás e ancestrais.
Poderíamos supor que o choque cultural e a condição de escravos em uma sociedade que possuía a escrita foram condições para a repudio do velho costume do batismo com nomes de ancestrais, no entanto, se alguém for estudar as conseqüências da memória coletiva dos escravos e sua influência no Candomblé³ e em outros cultos e religiões afro-descendentes não poderia esquecer da importância do mito de origem na memória étnica e, portanto, da religião. Uma das possibilidades para o fato teria sido a inclusão do pensamento cristão nesse povo, com sua visão linear do tempo.
Mas, como o próprio Le Goff, devemos lembrar da figura destacada por Leroi-Gourhan(te lembra alguém?): o responsável pela memória coletiva: o pajé, o aedo, a sacerdote, o ancião... Nas sociedades sem escrita difundida. chama de Gohan que é bem mais fácil
Então, adicionemos em nossa problemática o fato de que os anciãos não eram trazidos para o Brasil como escravos (uma vez que o trabalho a que estariam destinados exigiria rigor, que também era exigido na viagem) e que seriam os portadores da memória étnica daqueles povos.
Se existe memória existe também função para essa memória e Le Goff define no período da Pré-História à Antiguidade as funções da memória coletiva como: a genealogia das famílias importantes (afirmando seu prestígio e descendência divina), o mito de origem (que é o símbolo de coesão coletiva) e o saber técnico religioso (a figura do preto-velho africano que carrega o conhecimento mágico e místico).

1= Divindades da religião, anacronismo didático: valeriam como os deuses gregos.
2= Ritos mediúnicos que envolvem sacrifícios e oferendas aos ancestrais familiares. O culto Egungun, por exemplo.
3= Lembrando que o Candomblé é uma religião formada pelos escravos em si, e não uma religião africana por natureza. Ela é uma religião afro-descendente.

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