sexta-feira, 24 de junho de 2011

O "louco" de la Mancha


Dom Quixote, 1605 de Miguel de Cervantes, é uma alegoria filosófica bem balaio comum de Foucault e seu padawan continuador Agamben.
A história do mocinho é bem simples: ele não consegue distinguir "real" do imaginário da Idade Média que conheceu através de romances de cavalaria. Pega um cavalo, uma lança e parte na aventura de ter uma aventura nos moldes dos romances que curtiu. Traduzindo, Dom Quixote é o que chamaríamos hoje em dia de louco.
Muito bacana também é o fato do livro "fechar-se sobre ele mesmo", uma vez que na segunda parte do enorme romance, Dom Quixote encontra pessoas que leram a primeira parte. O livro não deixa claro o que é "real" e o que não é. Uma obra, segundo Foucault em As Palavras e as Coisas, moderna por excelência.
Dentro do pensamento de Agamben ele aparece como alegoria do indivíduo que é possível de ter experiência coletiva. Ele não é um individualista moderninha. A vergonha que Sancho Pança passa é a prova de não poder acompanhar Dom Quixote, o hidalgo cavaleiro, em suas viagens.
Dom Quixote faz experiência coletiva/comunhão. Imerge na outra de possibilidade de real que são os livros de cavalaria que leu. Mas não vai tê-la, porque ninguém no tempo em que vive quer partilha-la.
Sancho Pança não pode mais fazer experiência: é moderno. No entanto, pode tê-la. Porque a única experiência coletiva, a única comunhão (comunal, coletiva, comunidade) do tempo em que vive é a própria impossibilidade de fazer experiência.
No último texto de Profanações, Agamben descreve "os Seis minutos Mais Belos do Cinema", o Dom Quixote de Orson Welles que ilustram exatamente a incomporação do filme que Dom Quixo te assiste no seu âmbito de real.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O Cristianismo em Saint Seya

Uma comparação entre a Atena de Saint Seya com o Jesus Cristo da Igreja de Pedro pode parecer incoerente em um primeiro momento, no entanto, traduzindo certas deixas apresentadas tanto em Lost Canvas quanto nos “Cavaleiros do Zodíaco” o original, algumas ressalvas são necessárias.
A Igreja Católica tem seus “santos” homens divididos entre padres, bispos e arcebispos. Dentre os arcebispos, um papa é escolhido quando se faz necessário (após a morte de um predecessor). Os santos de Atena se dividem entre bronze, prata e ouro – talvez em alusão as raças Hesiódicas – e, dentre os cavaleiros de ouro, um Grande Mestre é escolhido. Em inglês, o título de “Grande Mestre” é escrito como “Papa”. Assim como em muitas línguas (como inglês ou espanhol) o título "Santo" não, eu não sei como é em japonês permaneceu "Santo" e não "cavaleiro".
Um dos principais símbolos da Igreja Católica é o vinho, alusão ao sangue de Cristo. Nos cavaleiros do zodíaco, as armaduras dos cavaleiros que tocam o sangue de Atena, atingem níveis de poder muito altos, mas para essa comunhão o cosmos do próprio cavaleiro tem que se elevar (assim como o cristão há de estar purificado, após cantos de glória e perdão).
Enquanto o primeiro líder da Igreja Católica foi Pedro, o nome do Grande Mestre no manga original é Shion. O nome Shion é a versão em hebraico de João, o autor do Evangelho mais espiritualizado, propagador de um mundo cristão menos materialista e mais idealista. Curiosamente o personagem vem de um região no Oriente Médio, ou muito próxima. Enquanto os seguidores de Pedro espalham o sopro do Espírito Santo, os seguidores de Shion usam sua força espiritual e física (seus Cosmos) para trazer Amor, Esperança e Felicidade.
Mas porque Atena? Porque não outro deus grego qualquer? Primeiro, e mais óbvio, pelo caráter de Guerra justa que lhe foi atribuído uma vez interpretada pelo mundo cristão.
No entanto, uma coisa que liga Jesus à Atena é que os dois não vieram de uma relação sexual. Jesus nasce do encontro do poder de Deus com Maria. O poder de Deus é o espírito santo. Atena, por sua vez, nasce da cabeça de Zeus, posteriormente ao fato de Zeus ter engolido ninguém menos que Mnemosine, a memória, a salvação para os gregos antigos. A Mnemosine é, para os gregos, poder e sabedoria, a Salvação diante do ciclo reencarnatório.
E um fator totalmente voltado à questão grega é que resta a dúvida: porque Seya, cavaleiro de Pégaso, Hyoga (de cisne), Shiryu (dragão), Shun (Andrômeda) e Ikki (Fênix) não respeitam a hierarquia de poder estabelecida entre as raças metálicas? Ora, isto se deve ao fato de Hesíodo ter descrito uma raça que foge desta hierarquia: a raça dos heróis, a raça dos Semideuses que, por coincidência (provavelmente não) Seya e seus companheiros o são: todos são filhos de Zeus, eles não pertencem a categoria de Bronze, mas sim a dos Heróis. No mangá, esses “órfãos” tem pai: o Sr. Kido, a encarnação de Zeus.

Além das sombras

Uma prática bem interessante, depois que a gente começa a viajar naquele papo de construções e tal, perceber certas ironias entre as construções anatômicas e filosóficas, ou sociais e econômicas, religiosas e culturais, e aí vai... O assunto deste texto é a relação ver e a ausência da visão.
Por exemplo, na religião antiga nórdica vikings, Odin, martelo, etc nenhum poeta seria realmente poeta se não fosse cego.
A poesia era ligada fortemente com a magia. Até o todo poderoso Odin trocou um olho pelo direito de usar magia, mesmo que sendo um poeta/mago incompleto, uma vez que ainda poderia ver.
Isso nos remete a outros poetas/magos/médiuns antigos: os aedos, os poetas cegos do mundo grego. Mais uma vez, cá está: poeta CEGO.
Por que isso? Até o cavaleiro de dragão, Shiryu, vira e mexe tem que ficar cego no seu manga, Saint Seya, para enxergar além das ilusões. Uma vez para sair de um labirinto ilusório, outra para não ser petrificado pela visão de Medusa, outra ainda para ver os chakras de seu inimigo, o cavaleiro de Poseidon: Krishina.
No mesmo manga, o homem mais próximo dos deuses, o cavaleiro da constelação de Virgem, se priva da visão, para aumentar seus outros sentidos, mais espirituais.
Aqueles, em Matrix, que sabem que aquilo não é o real, usam óculos escuros. Neo, cego, acha o caminho até o deus da Matrix.
Todas essas relações trazem uma aproximação do cego, ou melhor, daquele que não possui a capacidade física de ver as coisas físicas, com as coisas, imagens, sentimentos, conhecimentos, poderes: espirituais. Como se os olhos fossem um canal para a ilusão (Maya).
E o mais próximo de nós: até a justiça – implacável contra as mentiras e ilusões – é cega. Ou melhor, vendada...
Platão e sua alegoria da caverna dizem que todos os seres humanos vivem em uma caverna e tudo o que vêem são sombras do algo real, na parede desta caverna. A realidade está fora da caverna. Aí está uma bonita ironia cultural: o cego nunca se iludiria com sombras na parede...

Civil War

A guerra civil americana, ou guerra da secessão (1861-1865), foi um confronto entre o Norte e o Sul, principalmente sobre o direito ou não de possuir um escravo. A guerra civil da editora Marvel foi uma guerra entre heróis dispostos a retirar a máscara e heróis não-dispostos.
O ato que separou os exércitos de Capitão América e Homem de Ferro determinava que todos os meta-humanos deveriam revelar suas identidades secretas e se submeter ao sistema de proteção norte-americano.
A Guerra Civil americana tem em comum o fato de que a questão é sobre seres humanos, e sobre o domínio que a sociedade exercem, ou não, sobre eles.
Os heróis não-dispostos a revelar suas identidades não queriam entrar em um sistema, eles não queriam trabalhar para o governo, isso iria expor as famílias desses heróis. O que, por exemplo, seria de Mary Jane se soubessem que seu namorado é o homem aranha?
Já o Sul não queria entrar em um sistema não-escravocrata. Queriam permanecer no modo de vida em que estavam. Tinham sua renda, seus negócios e assim estava bom para eles. Eles não queriam abrir mão de seus escravos.
Com o fim da escravidão, o Norte industrial poderia controlar a economia. O país seria melhor sob seu domínio econômico.
Com o fim do anonimato dos meta-humanos, o governo poderia controla-los. O país seria melhor sob seu domínio das forças super-humanas.
O debate é o mesmo: aderir ao sistema ou renuncia-lo.
Ao renunciar o sistema, os heróis se tornariam renegados. Levados ao nível de vilões, que deveriam ser combatidos e derrotados. E foram.
O capitão América morreu. O sistema – Stark – triunfou.
Stark cai bem como alusão a um Norte de alta tecnologia. E o Capitão América em seu papel sulista é a própria ironia, afinal, se os sulistas lutavam para manter seus escravos cativos, as correntes dos heróis aliados do Capitão América eram suas máscaras, que garantiam sua liberdade.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Milenarismo Arturiano

Se o rei Arthur existiu ou não, ninguém tem certeza. Um guerreiro bretão ou um rei cristão, um debate de uma importância relativamente menor do que os usos políticos que a de se fazer com a imagem do rei lendário.
A "morte" de Arthur teria sido sua viagem a Avalon, após grave ferimento. O povo inglês teria acreditado por muito tempo que Arthur retornaria e expulsaria da Bretanha seus invasores. Como nos EUA, esses "invasores" mudaram ao longo dos séculos: de romanos, a saxões, ou cristãos, logo francos, talvez mesmo vikings, etc...
Essa fé no retorno de um Salvador, que voltaria e governaria por um período de 500 ou 1000 anos seguido plo fim do mundo, era muito comum no pensamento medieval. A França tinha o seu, que competia com o alemão, Portugal teve o rei Sebastião, e por aí vai...
Arthur tem seu arquétipo ligado a justiça. Todas as releituras da Excalibur perpassam um questão de justiça. Isso vai de Cavaleiros do Zodíaco a Harry Potter.
Quando a imagem de Arthur começou a ganhar da do próprio rei inglês Henrique II, "acharam" o túmulo do rei Arthur, junto a sua amada piriguete Guinevere. O sonho do retorno do rei que não morreu estaria acabado. O sonho do retorno do governante justo morreu, e todos passaram a pensar apenas no rei atual. Bem, o azar é todo dele...