sábado, 28 de agosto de 2010

Historiografia africana

A historiografia africana se inicia com uma negação: A África não tem História. Tal afirmação não era tão absurda para os positivistas.
A escola metódica (os positivistas) que iniciaram a História como ela é hoje em dia, se baseavam em documentos oficiais escritos. No entanto, a maioria das culturas africanas eram ágrafas (e talvez eu possa afirmar que ainda o são).
Sem escrita, não há história. E a supervalorização européia imperava no campo intelectual tanto quanto no econômico. Denominamos essa historiografia de
Pessimista.
No entanto, alguns africanos foram para a Europa e “aprenderam a fazer história”. Começa então a
Superioridade Africana.
Com o discurso de todos iguais e igualdade entre as nações, a UNESCO patrocina a coleção “História Geral da África” na década de 60. No entanto, os africanos acabam por fazer com a África, o que os europeus faziam e fazem com a Europa.
Esse tipo de política aparece também quando aplicam modelos ocidentais de desenvolvimento para as nações subdesenvolvidas da África. Através de discursos e limitações de crédito, o ocidente controla a gestão das nações africanas.
Eis que surge uma outra corrente, consciente de que graças a um processo histórico extremamente diferente, a África não possui valores iguais aos dos europeus. E são os africanos os responsáveis pela gestão de suas nações e por escreveram a história de seus povos do seu modo.
Esses são os africanistas. No maior esquema “América para os americanos”, eis que tomam a África para os africanos.


Figuras: Du Bois, exponente pensador negro, ainda racialista.
O livro "Na Casa de Meu Pai", do filósofo Appiah que discute o racialismo de Du Bois. E um leão só pra te lembrar da idéia de África selvagem implantada na sua cabeça.

"Invasão" Magiar

Le Goff disserta sobre um certo padrão nas invasões na Europa da Idade Média: após um período de saque, há uma instalação futuramente comercial e política.
Os húngaros não fogem da regra. Similares aos hunos, os húngaros eram um exército que vivia em cima de cavalos. Povo guerreiro, os magiares se instalam no século VII no império dos Khazares – turcos comerciantes convertidos ao judaísmo.
Foram, no século IX, empurrados para oeste até as terras que, antes do ataque carolíngio, pertenciam a um povo denominado Avaro.
Os ataques (saques) húngaros ao sacro-império romano germânico iniciam-se em 899.
Um fato bacana também é a semelhança imaginada pelos mais ocidentalizados dos húngaros com os turcos na época das primeiras invasões. A primeira imagem representa o Cerco de Eger (1552), onde 80.000 soldados turcos atacaram 2.000 húngaros. Vitória húngara. É, nem tão iguais assim...

Os húngaros, voltando ao tempo da chegada, não atacam um império unificado. O império já pode,historicamente, ser dividido entre Germânia e França. A figura de unificação imperial era Carlos, o Gordo, que morre em 888. Em 926 eles atacam Verdun e até Roma eles vão. Os saques húngaros são detidos por Otão da Germânia em 955, na Batalha de Lechfeld.
Após esse bloqueio nos saques húngaros eles se sedentarizam e, com a conversão do recém-nomeado Príncipe Estevão, a Hungria nasce como reino no ano 1000. Com direito a figura dele ali do lado e tudo.
Vale destacar o fato de Estevão I ter virado o santo patrono dos reis.
Batalha de Lechfeld

O Sacro Império Medievo

Trevas. Fragilidade. Inquisição. Medo.
Há certos cenários que povoam nosso imaginário acerca do mundo medieval.
A questão feudal, como se de repente, o império romano ruiu e do dia para a noite o cidadão era servo e seu senhor agora era um cavaleiro e não mais um imperador.
No entanto, o único jeito da Idade Média ser a Idade das Trevas é não estudando-a.
Para a gente estudar melhor, Le Goff escreve um texto de simples compreensão chamado a Civilização do Ocidente Medieval, em forma de prosa sem um rigor que se ele não fosse O LE GOFF sem dúvida seria criticado bastante.
Existe uma idéia pouco ensinada nas escolas da re-significação do império. Durante a idade média, ao menos até Otão III, houve uma busca de ressurgimento do império romano.
Após a queda do império romano houve sim uma descentralização. Tal descentralização foi substituída pelo reinado dos francos com a dinastia carolíngia (751-987).
Carlos Magno (747-814), descendente hierárquico do convertido ao catolicismo em 496, Clóvis, recebeu o título de imperador dos romanos pelo papa em 800.
Carlos expande esse território para a Germânia (que seria a Francia oriental), já possuía a maior parte de França atual, um pouco da península ibérica e conquistou a Itália.
Carlos Magno foi proclamado imperador por três motivos:
1 - O papa necessitava de um protetor.
2 - O papa necessitava de alguém que legitimasse os Estados Pontifícios (isto é, do pontífice, do papa).
3 - O papa queria estender seu poder até a igreja oriental e acabar com a questão iconoplasta que depois que eu pesquisa mais, vou escrever aqui alguma coisa sobre.
Isso mostra que o papa queria e incentivava Magno a atacar o império romano do oriente. Carlos assim o fez, no entanto, apenas para que seu título de imperador fosse reconhecido e que o jeito que ele denominava o imperador bizantino permanecesse (isto é basileus, o mesmo modo que aparece na Odisséia para pequenos reis, lembrando nosso post sobre o anacronismo homérico).
O título de imperador lhe foi reconhecido por Bizâncio em 1812.

Pessoas azuis

Pois é. Um fato bacana de se pensar sobre o filme avatar é a cor dos habitantes de Pandora. São seres azuis fisicamente superiores.
Mas vamos por partes. Eu escrevo uma cor e você pensa em alguém, ok? Branco. Negro. Vermelho. Amarelo. Azul.
Epa! Azul?
eu podia dizer rosa, mas aí eu ia sacanear a minha namorada. Já começa por aí. A cor escolhida não pode, e não vai, representar nenhuma “raça” que temos na Terra.
Outra questão bacana é que os humanóides azuis que existem em representações na Terra são os deuses hindus. Eles são definitivamente superiores aos humanos.
Outra galera, segundo algumas vertentes esotéricas/espíritas
MUUUUUITO liberais, é o pessoal de Órion, que seriam as entidades mais evoluídas com quem o ser humano já fez contato (a exceção de Jesus, talvez).
Os meso-americanos também tem sua parte azul. Eles acreditavam que houvesse 5 povos/raças: negro, vermelho, verde, amarela e azul. Cada uma relacionada a um ponto cardeal.
Ou seja, todos os seres azuis tem uma percepção mais madura e experiente da vivência com a natureza, seja ela micro, planetária, ou macro, universal.
Isso pode ser analisado no filme, além das conexões óbvias com o rabo do meio do cabelo deles, é a interpretação de amor como compreensão e conexão total. O mesmo da nossa cultura, no entanto, nos perdemos no eufemismo da palavra amor. Eles não falam “Eu amo você”, eles falam: “Eu vejo você”.
Os Na’vi possuem uma percepção maior do que nós em qualquer aspecto. Inclusive no romântico. Enquanto utilizamos uma expressão abstrata relacionada a doação, entrega e posse sobre um conceito construído, os Na'vi simplesmente dizem: "Eu vejo você", eu te entendo, te leio e te compreendo até sua essência.
Bem mais romântico, néh?
See you soon.
entendeu o trocadilho?

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O tempo dos heróis

A linha do tempo não nasceu do nada. A linha do tempo foi uma construção para uma História que teria início (Gênese) e fim (Apocalipse), porém, antes que essa idéia fosse implantada, o que dominava geral era o Tempo Cosmogônico, a visão/experiência do tempo pelos gregos e outras culturas que seriam, pela Igreja católica, denominadas pagãs futuramente.
O símbolo do tempo na cultura grega é a Roda da Fortuna, a existência do individuo representada por: nascer, crescer, reproduzir, morrer, reencarnar (nascer), crescer, morrer, reencarnar... Logo, entre as reencarnações, o individuo esquecia de sua vida (tomando água do rio do Hades, Lethes) e, ao mesmo tempo, era esquecido.
Como assim? O tempo, quando se repete mudando apenas detalhes, também tem um caráter destrutivo. O individuo é esquecido tanto quanto esquece. O tempo passa e ele já era.
Paralelo a isso, Hesíodo escreve a origem do Homem em sua obra: "O trabalho e os dias" e nela existem quatro raças de homens: de ouro, prata, de bronze e de ferro (a qual o poeta pertence). Elas não possuem um caráter evolutivo como a primeira vista pode aparecer, elas se diferenciam pelos conceitos de Hybris e Díke, mas percebe-se uma substituição entre as raças que apaga a anterior da memória. No entanto, devido ao tempo cosmogônico, Hesíodo afirma que é infeliz na raça de ferro e gostaria de ter nascido "antes ou depois" desse tempo.
Todas essas raças são de homens que viveram, morreram e foram esquecidos, no entanto, há, na mitologia homens e semideuses que superam moral ou fisicamente seus irmãos. Seus nomes ecoam pela eternidade: Aquiles. Herácles. Heitor. Etc, etc...
Eles não são inclusos em qualquer uma das raças, que o tempo destrói, eles não tomam água do Letes e reencarnam. Para eles, há uma ilha no meio do rio místico para que seus permaneçam vivos na memória. Hesíodo anuncia que eles não pertencem a raça alguma, exceto, a raça dos Heróis.
Não é o sonho de todo grande Homem entrar para a História? Pois bem, essa era a maneira mais gloriosa de faze-lo.

domingo, 1 de agosto de 2010

Aristóteles e a História

Aristóteles diz, na lata, que a poesia é mais filosófica e séria do que a História em seu livro Poética, capítulo nono.
"A poesia é mais filosófica e séria do que a história, pois aquela fala principalmente do universal e a história do particular."
Só que, para Aristóteles, de poesia se entendia todos os mitos gregos, toda a memória e o conhecimento filosófico, toda a tragédia, toda a arte, em fim...
E o que seria a História em um mundo onde tudo se repete? E tudo se repete na sua visão filosófica da Grécia Antiga, o destino grego, combatido e enfrentado a todo o momento.
Ao mesmo tempo que o futuro é preciso, também é incerto porque os gregos lutavam constantemente para impedir/burlar seu próprio destino.
A vida grega se resume em recomeço. Sim, eles acreditavam em reencarnação, no entanto, sem uma perspectiva evolucionista. Complicado néh?
Então, se formos seguir o glorioso Paul Veyne, e nos perguntarmos se os gregos (que são vistos como os racionalistas, os pensadores, os bam-bam-bam da História Antiga) acreditavam em seus mitos a resposta pode ser sim: eles se utilizavam da mitologia para filosofar em cima dela, o que se parece muito com o que as pessoas de hoje em dia fazem com a bíblia, e o fato de que se estão em um ciclo e tudo que já aconteceu acontecerá novamente de outra forma, interpretar o "passado" corretamente consiste em prever o futuro.
Por isso a idéia do oráculo na Grécia Antiga: ele olha a roda da vida, do destino, da fortuna no sentido do futuro, enquanto o aedo a visualiza no sentido do passado.
Mora aí a importância do aedo, junto com a importância do mito até na Grécia clássica: a filosofia sobre o mito. A interpretação da roda.
Vide o grande matemático Pitágoras que lembrava e treinava os seus pupilos para lembrarem de suas encarnações passadas.
Logo, Aristóteles talvez não gostasse da história de Heródoto que conta o que aconteceu na roda sem uma interpretação tão filosófica quanto a história de hoje em dia.
Afinal, não é uma idéia grega olhar para o passado para prever o futuro?

Pitágoras: Voz do Saber
Píton: serpente do oráculo de Delfos, áquela que guarda o Saber.
Ágora: Voz. O espaço para debater e aprender.

Dionísio repetindo a História (em latim...)

Cronos temia que um de seus filhos o substitui-se como Godfather chefão do mundo antigo.
O que ele fez? Muito simples: engoliu seus filhos.
No entanto, seu filho caçula, Zeus, foi escondido pela mãe e criado pela avó a fim de que derrotasse o pai, assim como o próprio Cronos, o caçula dos titãs, incitado por Gaia, derrotou Urano.
Assim foi feito.
Só que na Grécia, o tempo era cosmogônico: um círculo. Tudo o que acontece já aconteceu e se repetirá. Só que de uma maneira diferente. Assim, na hierarquia divina da Grécia Antiga cujo tempo é cosmogônico, o filho caçula do novo chefão iria substituir o pai.
Zeus era então apaixonado por uma mulher, a mulher mais inteligente que já existiu, chamada (em algumas versões, Prudência) de Memória. Sabendo que tudo se repete, ele fez como o pai, para impedir a substituição, ao invés de engolir filho por filho, ele engole a mulher de uma vez muito mais prático....
No entanto, Zeus teve outros filhos na mitologia grega, e qual foi o último deles?
O culto a Dionísio, vindo do oriente, foi aceito em uma época muito mais recente em Atenas. Em um tempo em que os cultos estrangeiros estavam sendo duramente reprimidos.
O deus seria filho de uma mortal com Zeus, o último então a entrar como deus no Olimpo e o único ser filho de uma mortal com tal classificação divina.
Dionísio representa o vinho, as festas, as orgias. Tudo o que lhe acompanha com esse tom exótico oriental. Sábio, difícil de compreender e que tem um quê de perdição.
Zeus representa a ordem, os trovões.
Cronos representa as forças caóticas do universo, como o próprio tempo o é. O medo e o controle por trás disso.
Dionísio, a liberdade, o livre-arbítrio. A anarquia.
Não estaríamos, portanto, na era de Dionísio? Será que Zeus não foi páreo para seu filho caçula recém chegado do oriente?
Entre os mitos sobre esse deus, temos um que ele teria sido despedaçado pelos titãs quando Hera o atirou no Tártaro, no entanto sua mãe teria engolido seu coração e o gerado novamente.
E outro, o mais curioso ao meu ver, quando Dionísio vai até a mansão dos mortos para desafiar a morte para reaver sua mãe.
Oriente. Vinho. Mistério. Ressurreição.
Não te lembra alguém? Alguém para que o vinho é sagrado, alguém que teoricamente predomina nesse mundo onde temos orgias e perversões constantes?
É uma pena que a cultura grega não ficou tão viva hoje em dia, para colorir de grego arcaico a história que foi contada em latim.

História, não somente pela História - clareando a peste negra


Enquanto a discussão sobre a função da História tinha o sono de muita gente, uma galera que escreve livros e mais livros sobre "O que é História?" "Para que serve História?" "O que faremos com a História?" blá blá blá que também são interessantes e absolutamente importantes, vou por um outro caminho: a versatilidade de um bom historiador hoje em dia.
Se a História procura juro por Deus que eu não quero aprofundar na questão uma verdade sobre ações humanas em determinada época, tem de considerar a realidade da mesma época. E a realidade não representa apenas o panorama político, uma vez que a política e todas as ações políticas nada mais são que conseqüências do que se passa com a sociedade humana da época. História = só história política é concepção velha e passada.
E para observar uma sociedade temos que observar também: a psicologia, a medicina, a filosofia, a farmacologia, a engenharia, etc da época.
A História Nova busca muito isso.
A escola metódica se baseava nos documentos oficiais, isso lhe dava um limite X. Aumentaram as fontes: para fontes orais, com o apoio da antropologia, conferindo um limite muito maior. Fontes visuais, maior ainda, com o apoio das artes visuais. Cinematográficas com o apoio da psicologia. Os periódicos com ajuda do jornalismo e da própria psicologia. Os laudos e as grandes epidemias, com a medicina.
Vide a nova interpretação da peste negra da Idade Média: outrora era resultado da má alimentação, afetando principalmente a população pobre. Agora, com o apoio da medicina, descobriu-se que a peste negra nada tem a ver com a alimentação do individuo, e sim com o contato com os infectados dirigindo seus estudos a crer em um recuo populacional.
Um exodo rural ao contrário. Uma mobilização populacional na Europa medieval não havia sido cogitada até então (exceto, é claro, as invasões "bárbaras") como constante e seus indícios demográficos foram re-interpretados.
Uma vez que o exílio medieval em torno das muralhas provocou o que talvez foi a primeira guerra biológica. Reinos rivais jogavam corpos de falecidos pela peste nos rios que abasteciam as rivais, isso é claro na Baixa Idade Média, quando a peste pega pra valer.
E a história se refaz e renasce. Um historiador não pode mais ser mais do mesmo, até a tão explorada Idade média é reescrita com o apoio da psicologia pra não chutar o balde e dizer marketing com obras pouco populares até agora como "Idade média explicada para meus filhos" onde o grande chefão Le Goff analisa o imaginário medieval relembrando os mitos de princesas, dragões, bruxas e paladinos que nós esquecemos ao juntar a imagem de idade média com a da pura e simplesmente imagem católica.
E viva a audaciosa História Nova... e seu historiador mil e uma utilidades